Versão mutante do oropouche pode ser responsável pelas mortes no Brasil; entenda

 O vírus oropouche que circula no Brasil sofreu mudanças que o diferenciam das linhagens anteriores. Ele teve um rearranjo genético e adquiriu sequências de outros dois tipos de vírus amazônicos.

Cientistas vão investigar se essas mudanças estão associadas aos recentes casos de morte, distúrbios neurológicos, microcefalia e abortamento de fetos. E também se poderiam ter facilitado o seu espalhamento pelo país.

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Laboratório Hermes Pardini/Grupo Fleury encontraram o oropouche com rearranjos genéticos em amostras de Santa Catarina, Bahia e Espírito Santo e as compararam com sequências de genoma viral de Amazonas, Acre e Rondônia.

Com isso, confirmaram dados das equipes dos pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Felipe Naveca e Gonzalo Bello, os primeiros a descrever o rearranjo viral em amostras da Região Norte. Rearranjos genéticos representam mudanças genéticas no genoma maiores do que simples mutações.

— Precisamos descobrir se essas alterações trouxeram novas propriedades ao oropouche. Mas vimos que o mesmo vírus com o rearranjo genético amazônico circula de Norte a Sul do Brasil — afirma Renato Santana, cientista do Laboratório de Biologia Integrativa da UFMG à frente da análise do sequenciamento genético.

O oropouche costuma causar sintomas semelhantes aos das febres dos vírus da dengue, zika e chicungunya.

Porém, é completamente distinto deles.

Ele pertence a uma família de vírus chamada Orthobunyavirus, que tem o genoma segmentado.

Isso faz com que rearranjos, ou seja, trocas genéticas, sejam mais frequentes.

Eles podem trocar sequências ao infectar simultaneamente o mesmo indivíduo, seja um animal ou uma pessoa.

Tais rearranjos tornam mais fácil que “pulem” entre diferentes hospedeiros, por exemplo.

No caso, o oropouche se rearranjou com outros dois Orthobunyavirus que circulam na Amazônia.

Um se chama Iquito e o outro é conhecido apenas pela sigla PEDV ou vírus de Perdões.

Ambos podem afetar seres humanos.

Na quinta-feira, o Ministério da Saúde informou a confirmação das duas primeiras mortes causadas pelo oropouche no mundo.

Duas mulheres, de 21 e 24 anos, sem comorbidades, morreram na Bahia.

Os óbitos ocorreram em março e maio.

Uma terceira morte está em investigação. É o caso de um homem de 59 anos, infectado em Santa Catarina e que morreu no Paraná, em abril.

Casos em bebês
O ministério também investiga seis casos de transmissão vertical (da gestante para o filho), de microcefalia e morte de fetos.

São quatro casos de bebês com microcefalia e anticorpos para oropouche.

E dois fetos com graves malformações neurológicas cujas mães sofreram abortamento, em Pernambuco.

Num feto natimorto com 30 semanas de gestação, o RNA do vírus foi encontrado no cérebro, no fígado, no coração, no pulmão e nos rins.

Em 2024, até o momento, foram registrados 7.236 casos, em 20 estados, sendo a maioria em Amazonas e Rondônia. A maioria dos quadros é leve, com febre e dores.

No entanto, alguns podem evoluir para sintomas neurológicos.

Os casos de transmissão vertical, microcefalia e abortamento remetem à epidemia de vírus zika.

E especialistas lembram que as suspeitas de que o oropouche pudesse ter transmissão na gestação, causar malformações, abortamentos e distúrbios neurológicos não são novas.

O virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Viroses Emergentes e Reemergentes, diz que nos anos 1980 num surto de oropouche em Manaus houve três casos de abortamento, mas não foi possível investigar.

E, em 2015, durante a epidemia de zika, num estudo do Instituto Evandro Chagas com 51 casos de microcefalia negativos para este vírus, três deram positivo para oropouche. Mas como a só a presença de anticorpos não permite tirar conclusões definitivas, nada se provou na ocasião.

Vasconcelos e Naveca lembram que vírus da família Orthobunyavirus, como o akabane e o schmallenberg, são associados a malformações e abortamento em bovinos, caprinos e ovinos.

O virologista Amílcar Tanuri, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acrescenta que outro vírus da mesma família, o La Crosse, pode provocar encefalite em humanos.

Mas os especialistas são unânimes em destacar que o oropouche, ao menos por ora, não representa uma ameaça da magnitude do zika. Isto porque o zika é transmitido pelo Aedes aegypti, o mais eficiente vetor enfrentado pela Humanidade.

O oropouche tem vários transmissores. O principal vetor é o Culicoides paraenses, conhecido como borrachudo ou maruim. Há muitas outras espécies de maruins, que se distribuem do Canadá à Patagônia. Não se sabe quantas delas poderiam carregar o vírus.

O oropouche também já foi encontrado no pernilongo (Culex quinquefasciatus) e se sabe que pode infectar outras espécies de mosquitos (Coquillettidia venezuelensis e Aedes serratus). Na verdade, se desconhece quantos vetores pode ter.

É consenso entre os cientistas que a testagem molecular em ampla escala feita pelo Ministério da Saúde mudou o diagnóstico e tem identificado casos que no passado acabariam confundidos com dengue, zika ou chicungunya.

O ministério e cientistas investigam várias hipóteses para o espalhamento, que não são excludentes.

Uma é que o maruim, favorecido pelo calor, tenha ampliado a área de infestação.

Outra que o diagnóstico agora consegue distinguir o vírus.

E, por fim, que haja novos vetores.

Os cientistas destacam a resposta rápida das autoridades de saúde, mas dizem que é preciso ampliar estudos.

— Precisamos estar à frente do vírus e não a reboque dele — enfatiza Tanuri, que acrescenta que a UFRJ remontou a força-tarefa que investigou o zika.

Naveca também ressalta a importância de mais estudos:

—Há muito a descobrir. O número de casos graves é pequeno para saber como ele, de fato, se manifesta. Temos evidências que gestantes assintomáticas podem ter o feto infectado.

Também é consenso que oropouche, como outros arbovírus, tem sua disseminação ligada a desequilíbrios ambientais.

— É fundamental fazer vigilância na Amazônia. Ela tem enorme diversidade de vírus— alerta Santana.

 

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