Se tem alguém que sabe disso, é a profissional autônoma Micheline
Patrícia Magalhães, de 50 anos. Desde que contraíram a infecção, em
2016, ela e o marido, o militar Edilson Cavalcanti, 57, convivem com as dores nas articulações dos pés (também há pacientes que sentem na região dos braços e das mãos, mas não foi o caso deles).
“Foi terrível, eram dores insuportáveis. A gente não
conseguia se levantar da cama e, quando tinha que ir ao banheiro, era
uma dificuldade porque parecia que tinha pregos nos nossos pés. Andava
toda encurvada”, descreve Micheline, que, para se recuperar, fez uso de
corticoides.
Hoje em dia, as dores voltam, em média, a cada três meses. Mas a intensidade agora é menor, especialmente depois que o casal fez fisioterapia, no ano passado. “Eu faço hidroginástica com água aquecida, que ajuda a aliviar”, conta a autônoma. “Quando a gente vai ao médico e procura um especialista, ele já pergunta: ‘Teve chikungunya? Isso é sequela dela’. E a gente vai vivendo e se adaptando”.
Infecção endêmica
Assim como as outras duas arboviroses trazidas pelo mosquito que se
reproduz em água parada, a chikungunya é uma velha conhecida dos
pernambucanos. Segundo o último boletim divulgado pela Secretaria
Estadual de Saúde (SES-PE), que compreende o período de 2 de janeiro a
30 de julho, 6.803 pessoas tiveram a doença desde o começo de 2022. Três
morreram. Com números altos de transmissão que oscilam seguindo mais ou
menos um padrão a cada ano, a infecção é considerada endêmica no
Estado.
A chegada da vacina
É nesse quadro que surge a notícia de uma possível vacina contra a chikungunya. Depois de ser testado em 4.115 adultos, incluindo idosos, nos Estados Unidos, onde já mostrou ter eficácia e ausência de efeitos adversos graves, o imunizante, desenvolvido pela farmacêutica francesa Valneva, começa a passar por análises no Brasil.
Só que, por aqui, o público-alvo são os adolescentes de 12 a 17 anos
(veja no infográfico). As análises são coordenadas por instituições como
o Instituto Butantan, que irá produzir as doses no País, e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
com a colaboração de universidades, como a Federal de Pernambuco
(UFPE). No Recife, os voluntários estão sendo convocados pelo Instituto
Autoimune. Para fazer a inscrição, basta entrar no site da organização.
“O estudo nos EUA foi feito com pessoas saudáveis em uma região que não tem circulação da chikungunya. Mas o ideal é que você teste essa vacina em um local endêmico, como é o caso do Brasil, para que possa ser dito qual a proteção dela contra a infecção natural. Precisamos saber, por exemplo, se uma pessoa que já teve a doença vai ter algum benefício ou ter só que tomar uma dose de reforço”, explica o virologista Rafael Dhalia, pesquisador do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz-PE) e membro da Academia Pernambucana de Ciências (APC).
Por isso, é preciso que 20% dos jovens voluntários tenham sido expostos à chikungunya anteriormente. “E por que adolescentes? Porque não faz mais sentido repetir o estudo em adultos. Assim, resolvemos dois problemas de uma vez só, porque testamos em um país endêmico e em uma faixa etária menor”, complementa o cientista.
Confiança na ciência
A vacina que será aplicada nos adolescentes é a mesma utilizada nos
adultos estadunidenses. A princípio, de dose única, com possível
aplicação de reforço dez anos depois da primeira, o imunizante é de
vírus reduzido, produzido com uma tecnologia semelhante à da vacina
contra a febre amarela que visa inibir ao máximo a atuação e a
capacidade de replicação do agente infeccioso no corpo do paciente.
A jornalista Fabíola Tavares autorizou a filha de 16 anos a se
inscrever como voluntária. Por questões de confidencialidade, para
evitar qualquer prejuízo à participação dela na pesquisa, não divulgamos
nenhum dado da jovem além da idade.
“Nós vemos todos os esforços que a ciência tem feito em vários campos.
Isso ficou bem claro agora, durante a pandemia de Covid-19, e acho que
devemos dar a nossa contribuição prática. Se você vê que tem uma
pesquisa nova no mercado, que está sendo feita com segurança, vários
critérios e instituições sérias envolvidas, como o Butantan e a Fiocruz,
nós podemos contribuir”, comenta.
Sem dar ouvidos às notícias falsas que tentam pôr em dúvida os
benefícios da vacina, Fabíola enfatiza a própria confiança no trabalho
da ciência.
“Eu não levaria minha filha a algo em que não acreditasse. Tem gente que
diz que só toma a vacina quando estiver pronta. Mas a gente não é
cobaia. São várias etapas de estudo e, só na última fase, ela é testada
em humanos. E esta já foi testada nos Estados Unidos”, recorda.
