Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) atestaram a eficácia do filme de biocelulose bacteriana em um estudo clínico randomizado feito com 55 pacientes da Área Assistencial de Angiologia e Cirurgia Vascular do Hospital das Clínicas (HC).
O trabalho foi publicado recentemente na revista científica Journal of Vascular Surgery: Venous and Lymphatic Disorders (JVS-VL).
O insumo desenvolvido pelos pesquisadores da UFPE é um biopolímero
verde, biocompatível e biodegradável. A membrana é produzida pela
conversão do melaço da cana-de-açúcar feita por bactérias em celulose
bacteriana.
Por isso, é um produto natural, sustentável e com potencial de ser barato e fácil para produção em larga escala, segundo um dos autores do estudo, o cirurgião vascular do HC e doutor pelo Programa de Pós-graduação de Cirurgia da UFPE, Allan Maia.
Para testar a eficácia, os pacientes foram divididos em dois grupos:
- No grupo experimental, usaram o curativo feito da cana;
- no grupo controle, usaram fita microporosa (material sintético).
Entre o quarto e o sexto dia do pós-operatório, os pesquisadores avaliaram dor, coceira e aspecto da ferida.
Não houve diferença significativa entre os dois tipos de curativo em termos de cicatrização, mas o feito à base de cana-de-açúcar gerou menos dor do que a fita convencional na hora da retirada e também menos coceira.
Com isso, o curativo feito da cana mostrou ser uma alternativa sustentável, eficiente e mais confortável para quem precisa se recuperar de cirurgias de varizes.
O principal achado no estudo foi que ele apresentou menor dor na remoção dos curativos. Dessa forma, reduzimos significativamente mais um fator de incômodo para o paciente que já se encontra fragilizado pelo pós-operatório", destaca Allan Maia.
A transparência do curativo permite que os profissionais avaliem a ferida sem precisar removê-lo. O benefício também é encontrado em estudos do material para outros fins, como na urologia e em tratamento de úlceras nas pernas. Isso reduz o manuseio, evita traumas na pele e ainda pode baratear os custos do tratamento.
"Como na cirurgia de varizes se preconiza manter os curativos de dois a sete dias, a depender da literatura, o aspecto da incisão pode ser visto por transparência. Ou seja, você não precisa remover o curativo pra saber se vai tudo bem com cirurgia. Sem dúvidas, essa é uma grande vantagem em relação à fita microporosa", completa o cirurgião vascular.
Allan ainda explica por que o insumo foi testado especificamente no pós-operatório de varizes. Segundo ele, a literatura médica não indica um curativo ideal para as incisões que são feitas no procedimento.
"Nós removemos os vasos dilatados através de pequenas incisões que não necessitam ser fechadas por pontos. Porém precisamos cobrir essas feridas com curativos que apresentem boa aderência e que não causem reações locais. A fita microporosa é utilizada amplamente, mas há alguns relatos de incômodo na remoção, coceira e dermatite. A membrana de biopolímero já foi testada em diversas áreas da medicina como curativo e, por ser atóxico, translúcido e apresentar boa adesividade, achamos que poderia ser o material ideal para cobertura dessas incisões", explica Allan Maia.
Essa falha provoca acúmulo de sangue e aumento da pressão venosa, resultando em inchaço, dor, sensação de peso e, em alguns casos, complicações como úlceras e trombose.
É um problema comum, que afeta mais mulheres, e pode estar ligado a fatores como hereditariedade, sedentarismo, gravidez e longos períodos em pé.
Agora os pesquisadores aguardam a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o produto ser comercializado. O curativo, registrado como PolyTissue® Derma-Aid, é produzido pela Polisa Biopolímeros para a Saúde, uma empresa incubada pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) em Carpina, na Mata Norte do estado.
"É um produto genuinamente pernambucano, produzido através de material biológico, sustentável, desenvolvido dentro das nossas universidades através do trabalho de muitas pessoas engajadas em pesquisa. E que, com certeza, se tornará viável no tratamento de muitas pessoas", celebra Allan Maia.
A Polisa tem uma linha de produção com dois produtos já registrados: PolyTissue® Uro, de curativos para cirurgias urológicas, e PolyTissue® Bio-Nail, para a coberura de leito de unhas removidas.
Sob a orientação do chefe da Área Assistencial de Cirurgia Vascular do HC e professor do Centro de Ciências Médicas da UFPE, Esdras Marques, o estudo foi realizado entre maio de 2023 e setembro de 2024 por Allan Maia e participação da então aluna da graduação em Medicina da UFPE, Mariana Vieira.
O artigo foi assinado também por Fernanda Rocha, Layla Mahnke, Flávia Morone Pinto, Tiago Pereira, Mariana Neves, Sarah Palácio, Katharine Saraiva, Josiane Barbosa, Simone Penello, Jaiurte Silva e José Lamartine Aguiar.