Adultização e erotização: os desafios e como proteger as crianças e adolescentes nas redes sociais

Adultização e erotização: os desafios e como proteger as crianças e adolescentes nas redes sociais

 

O vídeo publicado pelo criador de conteúdo digital Felipe Bressanim, conhecido como Felca, gerou um alerta necessário sobre os perigos da adultização e exposição de crianças e adolescentes na internet. A grande repercussão, que soma mais de 40 milhões de visualizações no Youtube em uma semana, colocou este tema no debate central em todo o país.

Um exemplo que chocou as pessoas no vídeo foi o caso do influenciador paraibano Hytalo Santos. Em suas publicações nas redes sociais, Hytalo transformava a rotina de adolescentes em produto para mais de 17 milhões de seguidores no Instagram. 

Alvo de investigação do Ministério Público da Paraíba (MPPB) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) por exploração e exposição de menores de idade em conteúdos produzidos para as redes sociais, Hytalo Santos foi preso preventivamente em São Paulo, nessa sexta-feira (15).

O cenário de riscos no ambiente virtual levantou dúvidas importantes. Como proteger crianças e adolescentes nas redes sociais? Qual o papel das plataformas de tecnologia, dos pais e dos legisladores nesse processo? A Folha de Pernambuco procurou especialistas de diversas áreas para ajudar os responsáveis nesse processo.

O que é adultização e erotização? 
O termo adultização, de maneira geral, refere-se ao ato de colocar a criança em contato com uma prática que não é adequada para a idade dela, algo que é do universo dos adultos.

De acordo com a educadora pela erradicação da violência sexual e online, Sheylli Caleffi, o fato de as crianças e adolescentes estarem nas redes sociais já caracteriza uma adultização. O Instagram, por exemplo, é recomendado para maiores de 16 anos. 

Ainda segundo a especialista, o processo de erotização, denunciado na publicação do Felca, é uma das formas de realizar a adultização dos menores.

A educadora explica que esse processo de erotização é incentivado pelas próprias redes sociais, o que deixa os menores de idade em contato desde cedo com esse tipo de conteúdo. 

"Não é uma pornografia explícita, mas são coisas que insinuam o sexo de alguma maneira. Então, as redes forçam as pessoas a assistirem esse tipo de conteúdo. Quanto menos roupa uma pessoa tem quando está fazendo um vídeo, mais eles mostram esse conteúdo para as outras pessoas” analisa Sheylli Caleffi.

Os riscos nas redes sociais
Por incentivar a produção de conteúdo com teor sexual, o ambiente digital acaba sendo um local favorável para a proliferação de crimes sexuais contra crianças e adolescentes. 

O ChildFund Brasil é uma organização que atua há quase 60 anos no país. Entre abril e setembro do ano passado, a ONG fez um levantamento que coletou respostas de 8.436 jovens de 13 a 18 anos. 

De acordo com a pesquisa, 54% dos adolescentes brasileiros já sofreram algum tipo de violência sexual no ambiente virtual e apenas 35% deles relataram qualquer tipo de supervisão parental.

Presidente executivo do ChildFund Brasil há cerca de três anos, Maurício Cunha acredita que crianças ou adolescentes estão completamente vulneráveis no ambiente online.

"Não temos um arcabouço normativo sólido e a gente tem, para piorar, o fato de que vivemos numa geração em que os pais e cuidadores sabem menos de internet do que os filhos. Então, é uma geração que está descoberta. Não existe uma política nacional de letramento ou de educação digital que contemple o componente da proteção. Então, as crianças e os adolescentes estão mesmo à mercê dos predadores”.

Ação dos criminosos 
Titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos, o delegado Eronides Meneses detalha que os abusadores que atuam no ambiente digital fingem amizade ou até namoro com os jovens em busca de fotos ou vídeos com conotação sexual. 

Segundo o delegado, os pais devem ficar alertas com o tipo de relação que os filhos estão desenvolvendo no meio digital. 

"Você não deixaria seu filho de 8, 10, 12 anos conversar numa janela de casa com qualquer estranho que passasse na rua, por que vai deixá-lo simplesmente com a porta aberta falando com 1 milhão de pessoas que podem atrair de todas as formas, agradando, estando disponível, sendo legal em algum jogo ou em algum bate-papo online”, questionou.

Legislação 
Com a grande repercussão do tema nas últimas semanas, a pressão por uma legislação que promova a proteção dos jovens nas redes sociais ganhou força. 

Diversos projetos foram apresentados, porém o mais avançado é o Projeto de Lei 2628/22, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-PI), que já foi aprovado no Senado Federal. A Câmara dos Deputados agora busca adiantar a votação do PL.

Para o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-PE, Geraldo de Azevedo Nóbrega, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi estabelecido numa época em que não existia o mundo digital. Por isso, há a necessidade de revisão no ECA. 

“O poder legislativo precisa se debruçar em projetos de leis que atualizem o Estatuto da Criança e do Adolescente e tenham o maior controle sobre essa exposição nas redes sociais, inclusive responsabilizando também as plataformas, as Big Techs”, dissertou.

Na discussão sobre uma nova legislação para proteger as crianças e adolescentes na internet, as principais plataformas de redes sociais precisam ser responsabilizadas pela propagação de conteúdos de abuso contra os menores de idade. 

Contador e consultor financeiro, André Charone argumenta que as Big Techs faturam por meio de publicidade, que vem através da retenção dos vídeos. Segundo ele, os algoritmos das redes são elaborados de uma forma que prioriza o maior tempo de tela possível dos usuários.

“Acaba sendo vantajoso fazer uma vista grossa em cima desse tipo de movimentação. O algoritmo não tem julgamento moral, ele vai priorizar a receita", destacou André Charone.

Como proteger as crianças e adolescentes?
A educadora Sheylli Caleffi alerta que, assim como foi mostrado no vídeo do youtuber Felca, potenciais abusadores têm facilidade para encontrar os jovens nas redes sociais. 

Neste contexto, a especialista julga ser importante para os pais adiarem o máximo possível a entrega de um celular para os filhos, além de reforçar os perigos que existem nas redes. 

"Você precisa explicar os riscos de estar em ambientes digitais, porque as crianças não vão adivinhar isso. E, principalmente, as redes sociais não vão falar mal de si mesmas, não vão falar que é perigoso, não vão falar nada”.

Segundo a especialista, não basta apenas ensinar as crianças e adolescentes sobre esses riscos. Os pais precisam dar o exemplo de como agir no ambiente digital. 

"Se você gosta de mostrar seus filhos na sua rede social, a sua conta tem que ser privada. A gente precisa ser exemplo. O jeito que a gente usa a internet, o que a gente curte, o que a gente compartilha, isso está influenciando as crianças que estão à nossa volta”, completou.

Todos os especialistas no tema concordam sobre a importância da supervisão dos pais. Nos celulares e tablets Android, é necessário clicar na aba "Controles Parentais" nas configurações. 

Já nos serviços ofertados no Iphone/Ipad, os responsáveis podem ir até os "Ajustes", clicar em "Tempo de Uso" e regular o que será permitido em "Conteúdo e privacidade". 

 

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