Hospitais no Líbano sofrem com falta de médicos para amputações após ataques

 


O ministro da Saúde do Líbano, Firass Abiad, afirmou que as duas ondas de ataques nos últimos dias, nas quais milhares de pagers e walkie-talkies usados pelo grupo xiita Hezbollah explodiram sem aviso, constituem um crime de guerra.

Os dois incidentes, que mataram 37 pessoas, incluindo pelo menos duas crianças, e deixaram mais de 3 mil feridos, foram atribuídos a Israel – que, por sua vez, não reivindicou a responsabilidade.

Embora os mortos e feridos incluam integrantes da organização político-militar, que realiza combates transfronteiriços com o Estado judeu desde o início da guerra na Faixa de Gaza, há 11 meses, membros de suas famílias também foram vitimados, assim como civis inocentes.

— O mundo inteiro pôde ver que esses ataques ocorreram em mercados. Essas não eram pessoas que estavam no campo de batalha lutando. Elas estavam em áreas civis com suas famílias. Então, acho que precisamos nos preparar para o pior cenário possível.

Os dois ataques mostram que a intenção deles [Israel] não é em direção a uma solução diplomática — disse o ministro. — O que eu sei é que a posição do meu governo é clara. Desde o primeiro dia, acreditamos que o Líbano não quer uma guerra.

Após as explosões, que surpreenderam a comunidade internacional e foram amplamente condenadas por governos e organizações, Abiad disse ter solicitado uma reunião no Conselho de Segurança da ONU sobre o assunto, indicando esperar “discussões produtivas sobre a questão”.

Ele pontuou que a “utilização da tecnologia como arma” era algo “muito sério” – e não apenas para o Líbano, mas para o resto do mundo e em outros conflitos. Agora, afirmou, a população precisa “pensar duas vezes antes de usar a tecnologia”.

O entendimento é semelhante ao do secretário-geral da ONU, António Guterres, que na quarta-feira repudiou o uso de objetos civis como armas e reforçou que “existe um grave risco de uma escalada dramática” na região.

Hospitais lotados e amputações
Os ataques desta semana representaram um grande golpe para o Hezbollah, que já tinha preocupações com a segurança de suas redes de comunicações após a perda de vários comandantes importantes em ataques aéreos direcionados nos últimos meses. Mas também foram sentidos pelo sistema de saúde do país, que ficou sobrecarregado, com cirurgiões operando quase 24 horas seguidas.

Segundo o Ministério da Saúde, embora a pasta tenha implementado um plano de emergência para lidar com situações críticas, o impacto das explosões foi “enorme e sem aviso prévio”. Em apenas meia hora, segundo o órgão, os hospitais da região receberam cerca de 2,7 mil feridos.

Ao jornal libanês An-Nahar, Abiad declarou que uma situação emergencial e repentina dessa magnitude causaria confusão “em qualquer sistema de saúde do mundo”.

Diante de gritos de socorro e apelos humanitários por intervenção urgente, doações de sangue e reforço das equipes médicas e de enfermagem, as emergências, corredores e quartos dos hospitais ficaram abarrotados de vítimas, cujos ferimentos variavam de leves a graves.

O chefe da Defesa Civil do país, Walid Hashash, disse ao The New Arab que 45 ambulâncias e equipes especializadas foram enviadas para o sul de Beirute após a explosão dos pagers, mas que “o número de vítimas era imenso” e “muitos foram levados por cidadãos em motocicletas ou outros meios de transporte” para as unidades, que ficaram sobrecarregadas a ponto de não conseguirem mais receber pacientes.

Em apenas sete minutos, disse, cerca de 70 feridos chegaram a um único hospital. Os casos menos graves foram tratados com primeiros socorros e depois transferidos para centros médicos mais distantes.

Ainda de acordo com a imprensa local, o maior desafio enfrentado nas unidades de saúde foi a falta de cirurgiões especializados, já que grande parte das lesões envolvia as mãos e os olhos, e muitos precisaram ter membros amputados.

George Ghanem, diretor do hospital Rizk, em Beirute, disse ao An-Nahar que a unidade estava preparada para lidar com emergências, e que assim que a necessidade de resposta imediata foi identificada, os andares do hospital foram liberados para receber os feridos. Apesar disso, algumas pessoas não conseguiram ser atendidas “devido à complexidade dos ferimentos”.

A dificuldade, explicou, estava na similaridade das lesões, o que fez com que fosse difícil encontrar médicos suficientes para lidar com a alta demanda.

— Eu queria salvar pelo menos um dos olhos das vítimas [para preservar a visão] e, em alguns casos, não consegui. Tive que retirar os dois olhos porque os projéteis os atingiram diretamente e profundamente — disse o oftalmologista Elias Warrak à BBC, ressaltando que em uma noite ele removeu mais olhos do que em toda a sua carreira.

— Foi muito difícil. A maior parte dos pacientes eram jovens na casa dos 20 anos. Em toda a minha vida, nunca tinha visto cenas semelhantes às que vi nesta semana.

Muitos hospitais optaram por não divulgar informações sobre o número de pacientes que receberam, a natureza dos ferimentos ou a gravidade dos casos. À Sky News, porém, o cirurgião Ghassan Abu-Sitta disse que as unidades receberam muitas “mãos mutiladas e ferimentos por explosão no rosto e nos olhos”, uma situação que ele classificou como “catastrófica”.

Quase todos os atingidos, segundo ele, “acabarão com algum tipo de deficiência permanente”. Abiad, o ministro da Saúde libanês, pontuou que muitos dos feridos têm lesões que mudarão suas vidas e que, “infelizmente, exigirá muita reabilitação”.

Escalada de tensões
O Exército israelense não respondeu a pedidos do jornal americano New York Times para comentar as explosões, mas o ministro da Defesa do país, Yoav Gallant, disse em uma declaração em vídeo na quarta-feira que Israel estava “no início de um novo período nesta guerra”.

Sem mencionar os ataques no Líbano, que elevaram os temores de que o conflito possa escalar para uma guerra total, Gallant disse que o “centro da gravidade” dos esforços militares israelenses “se movia para o norte” à medida que o país desviava “forças, recursos e energia em direção à ameaça apresentada pelo Hezbollah”.

À AFP, uma fonte próxima ao grupo xiita disse que “vários walkie-talkies explodiram” na região onde eram realizados os funerais de três membros do Hezbollah e de uma criança mortos pelos milhares de pagers que explodiram quase simultaneamente no dia anterior.

À agência Reuters, uma fonte do Hezbollah afirmou que os walkie-talkies da organização eram o alvo, relatando que os equipamentos portáteis foram comprados há cerca de cinco meses, na mesma época da aquisição dos pagers. Os relatos de mais dispositivos afetados sugerem uma infiltração ainda maior de armadilhas na cadeia de suprimentos do Líbano.

Nesta quinta-feira, o chefe do Hezbollah, Hasan Nasrallah, prometeu “duras represálias e punição justa” contra Israel, “tanto onde [a retaliação] é esperada como onde não é”. Ele afirmou que o Estado judeu ultrapassou “todas as linhas vermelhas” e que “o inimigo queria matar pelo menos 5 mil pessoas” com as explosões.

O grupo xiita já havia afirmado, após os ataques de terça, que manterá seus ataques rotineiros contra Israel, pontuando que “esse caminho é contínuo e separado do difícil acerto de contas que o inimigo criminoso deve aguardar por seu massacre”. “Este é outro acerto de contas que virá”, escreveu em um comunicado.

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