“Esta noite, mais do que o fim de uma carreira, acho que é o fim de uma vida. É uma espécie de homenagem póstuma… em vida. Quando comecei, me falaram que o mais difícil era durar. Eu durei 62 anos (de carreira). Mas agora eu sei que o que é difícil é partir. E vou partir, mas não sem antes agradecer. (...) Se hoje eu sou uma estrela, devo ao público e a mais ninguém.”
Estas foram as palavras de Alain Delon ao receber uma Palma de Ouro honorária no Festival de Cannes de 2019, poucas semanas antes de sofrer um AVC que o deixaria debilitado.
Um dos maiores galãs da sétima arte, Delon, que via o envelhecimento com algo doloroso, morreu neste domingo (18), aos 88 anos.
Alain Fabien Maurice Marcel Delon nasceu no dia 8 de novembro de 1935, em Sceaux, Hauts-de-Seine, na França. Quando jovem, trabalhou como aprendiz de açougueiro com seu pai.
Abandonou os estudos aos 15 anos e, aos 17, se alistou na marinha francesa e lutou na Guerra da Indochina.
Dispensado em 1955, ele se mudou para Paris pouco depois e passou a fazer pequenos trabalhos como porteiro, garçom e vendedor.
No mundo dos bicos e dono de uma beleza inconfundível, conheceu e se relacionou com jovens nomes da cena cultural da França.
Desenvolveu uma amizade com Jean-Claude Brialy, um dos atores de maior destaque no cinema francês no final dos anos 50. Em 1957, Brialy convida o jovem Delon, então com 21 anos, para visitar o Festival de Cannes.
Anos mais tarde, Brialy confidenciou ter ficado enciumado com a presença do amigo na Riviera francesa.
Ele, um astro, parecia despertar bem menos interesse do que aquele jovem desconhecido.
Em Cannes, Delon foi convidado pelo lendário produtor David O. Selznick (“E o vento levou”, de 1939) para tentar uma carreira em Hollywood.
Ele só precisaria aprender a falar inglês.
Ainda que tenha pensado em seguir carreira nos Estados Unidos, no mesmo ano, o ator conheceu o diretor francês Yves Allégret e foi escalado para seu primeiro projeto nos cinemas: “Uma tal condessa” (1957). No ano seguinte, Delon foi contratado para “Basta ser bonita” (1958), de Marc Allégret, irmão mais velho de Yves, e para “Cristina” (1958), de Pierre Gaspard-Huit, que marcou seu primeiro papel como protagonista.
Os dois iniciaram um relacionamento durante as filmagens e permaneceram juntos por cinco anos. Delon e Schneider formaram um dos mais belos casais do cinema, despertando a atenção do público e da imprensa.
O papel de Tom Ripley em “O sol por testemunha” (1960), de René Clément, ratificou Alain Delon como um dos grandes astros do cinema francês na década. No mesmo ano, brilhou no papel do personagem-título do clássico “Rocco e seus irmãos”, de Luchino Visconti, com quem voltaria a trabalhar em “O leopardo” (1963).
Após um término de relacionamento conturbado com Schneider, com denúncias de infidelidade e destempero, Delon iniciou uma relação com a atriz Nathalie Delon, com quem ficou casado entre 1964 e 1969.
O ator teve seu primeiro filho, Anthony, com Nathalie.
Além de Visconti, Alain Delon trabalhou com alguns dos maiores nomes do cinema europeu nas décadas de 1960 e 1970, como Michelangelo Antonioni (“O eclipse”, de 1962), Jean-Pierre Melville (“O samurai”, de 1967, “O círculo vermelho”, de 1970 e “Expresso para Bourdeaux”, de 1971) e Valerio Zurlini (“A primeira noite de tranqüilidade”, de 1972).
No mesmo período, despertou a atenção do cinema americano.
Com Joseph Losey, realiza “O assassinato de Trotsky” (1972) e “Cidadão Klein” (1976).
Anos mais tarde, Delon também inclui Jean-Luc Godard, com “Nouvelle vague” (1990), e Agnès Varda, com “As cento e uma noites” (1995), no rol de importantes realizadores com quem trabalhou.
Por muito tempo, Delon lutou contra o estigma de ser apenas um rosto bonito.
Mesmo trabalhando com grandes nomes da nouvelle vague, muitas vezes foi valorizado mais como galã do que por seu talento.
Não por acaso, a fama internacional veio mais por sua beleza do que por prêmios e críticas positivas. Ele só passou a ser reconhecido por premiações já em uma segunda fase de sua carreira.
Delon conquistou o prêmio César de melhor ator somente em 1985, pela atuação em “Quartos separados”, de Bertrand Blier. Em 1995, recebeu um Urso de Ouro honorário no Festival de Berlim.
A Palma em Cannes, como visto acima, veio apenas em 2019.
Com a chegada do século XXI, o astro passou a trabalhar de forma menos regular e os primeiros problemas de saúde começaram a aparecer.
Ele chegou a anunciar a aposentadoria em 1997, mas continuou fazendo algumas participações nos anos seguintes, como em “Asterix nos Jogos Olímpicos” (2008), de Frédéric Forestier e Thomas Langmann, em que interpreta Julio César.
A vida pessoal também passou por problemas no período, especialmente após a separação de Rosalie Van Bremen, modelo holandesa com quem se relacionou entre 1987 e 2001, e com quem teve dois filhos, Alain-Fabien Delon e Anouchka Delon.
Em 2012 e 2013, Delon foi internado após episódios de arritmia.
Anos mais tarde, em 2017, foi submetido a uma cirurgia cardíaca que durou cerca de cinco horas, na qual foi colocado um “bypass” coronário (procedimento que permite o sangue contorne uma obstrução) na artéria femoral.
Na última década, Delon teve seu nome envolvido em polêmicas, especialmente por suas posições políticas e pessoais.
Sua homenagem em Cannes, por exemplo, foi acompanhada de protestos de movimentos feministas na França e nos Estados Unidos.
Ainda que não tenha sido acusado de qualquer tipo de assédio ou violência doméstica, o ator recebeu duras críticas após revelar, durante entrevista, em 2018, já ter dado tapas em mulheres ao longo da vida.
Antes disso, em 2015, disse em outra entrevista que não era contrário ao casamento gay, mas que era contra a adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo.
Por anos, a proximidade com a extrema direita francesa, nas figuras de Jean-Marie Le Pen e Marine Le Pen, também causou incômodo.
“Envelhecer é uma merda! Você não pode fazer nada sobre isso. Você perde o rosto, perde a visão. Você levanta e, caramba, seu tornozelo dói”, reclamou o ator antes de ser hospitalizado após um AVC, em 2019.
Por diversas vezes, Delon falou sobre suicídio e eutanásia em entrevistas nos últimos anos.
Em março de 2023, Anthony Delon revelou que seu pai havia decidido acabar voluntariamente com sua vida por meio de um suicídio assistido, procedimento autorizado na Suíça, onde Alain Delon vive.
Nos dias seguintes, o próprio Alain Delon usou suas redes sociais para se despedir.
"Gostaria de agradecer a todos que me acompanharam ao longo dos anos e me deram grande apoio, espero que futuros atores possam encontrar em mim um exemplo não só no local de trabalho mas na vida de todos os dias entre vitórias e derrotas. Obrigado, Alain Delon", publicou no Instagram.
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