Como três filhos de Bolsonaro usaram a estrutura da "Abin paralela" para fins pessoais, segundo a PF

 

Em um novo capítulo das investigações da Polícia Federal sobre o monitoramento ilegal realizado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a corporação relata como filhos do antigo chefe do Executivo utilizaram a estrutura paralela para fins pessoais.

O relatório mostra que a agência atuou ilegalmente em favor do vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o pré-candidato a vereador Jair Renan (PL-SC).

Na ação desta quinta-feira, estão sendo cumpridos cinco mandados de prisão preventiva e sete mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O uso do programa espião FirstMile foi revelado pelo GLOBO. A PF mostra que foram alvos da ferramenta autoridades dos poderes Judiciário e Legislativo, com o objetivo de obter vantagens políticas, além de um ex-presidenciável e jornalistas.

"A continuidade das investigações também evidenciou a utilização dos recursos da ABIN para monitorar autoridades dos Poderes Judiciário (Ministros desta CORTE e os seus familiares) e Legislativo (Senadores da República e Deputados Federais), com o objetivo de obter vantagens políticas", escreveu o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na decisão que deferiu a operação realizada nesta quinta-feira.

Entenda como os filhos do ex-presidente utilizaram a Abin para fins pessoais:

Carlos Bolsonaro
Na decisão que autorizou a operação, o ministro do STF Alexandre de Moraes destaca que a rede paralela da Abin foi utilizada contra o senador da República Alessandro Vieira, que, ao tempo dos fatos, encaminhou requerimento para que o vereador Carlos Bolsonaro prestasse esclarecimentos na "CPI da COVID" e tivesse seus sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático quebrados pela Justiça.

Segundo a PF, a estrutura paralela mandava marcar Carlos Bolsonaro em postagens nas redes sociais com Fake News que miravam adversários políticos. Em diálogos interceptados pela PF, membros da ‘estrutura clandestina’ combinaram de marcar o filho do presidente, por exemplo, em postagens que atacavam Vieira.

"Vamos difundir isto. Pede pra marcar o CB". (CARLOS BOLSONARO)”, escreveu o agente da PF Marcelo Araújo Bormevet, que na época estava cedido para a Abin. Giancarlo Gomes Rodrigues, que é dos quadros do Exército e também estava cedido para atuar na agência, respondeu: "Já estou municiando o pessoal".

A PF aponta que a “difusão da desinformação ocorria com a devida ‘marcação’ de integrante do NÚCLEO-POLÍTICO CB - CARLOS BOLSONARO”. Em uma das mensagens, Giancarlo reforça: “Acho que merece uma Thread marcando o Carlos Bolsonaro...". De acordo com os investigadores, “as ações clandestinas ocorreram em represália às ações do Senador da República no exercício de seu cargo”.

A CPI da Covid, instaurada em 2021, investigou a condução da resposta à pandemia de Covid-19 pelo governo Bolsonaro e propôs o indiciamento do então presidente por nove crimes.

— Espionar opositores e independentes é um mantra de regimes autoritários. Continuamos com enormes problemas nos Brasil, mas ao menos a ameaça de golpe de Estado foi afastada — disse Vieira ao GLOBO.

Flávio Bolsonaro
A PF também identificou um áudio em que o ex-presidente, o então diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem (PL), e o então ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, foram registrados falando sobre a investigação envolvendo o senador Flávio Bolsonaro no caso da suposta "rachadinha".

Segundo a PF, eles estavam discutindo supostas irregularidades que teriam sido cometidas por auditores da Receita Federal na elaboração de um relatório de inteligência fiscal que originou o inquérito contra o filho 01 do presidente. O áudio tem 1h e 8 minutos de duração, é datado de 25 de agosto de 2020 e foi encontrado em um aparelho de Ramagem. Uma das advogadas de Flávio também estaria presente na reunião.

De acordo com as investigações, Ramagem disse na gravação que "seria necessário a instauração de procedimento administrativo" contra os auditores da Receita "com o objetivo de anular a investigação, bem como retirar alguns auditores de seus respectivos cargos".

O relatório da PF ainda aponta que integrantes da chamada "Abin paralela" tentaram levantar "podres e relações políticas" dos auditores da Receita. O suposto desvio de verba pública - a chamada "rachadinha" - teria ocorrido no gabinete de Flávio, quando ele era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Ainda segundo o documento, o servidor Christiano Paes Leme Botelho foi exonerado da chefia do Escritório da Corregedoria da Receita Federal no Rio de Janeiro (Escor07) após a elaboração do relatório que fundamentou a investigação das "rachadinhas" contra Flávio, que nega qualquer interferência no órgão federal.

Botelho deixou o cargo, à época, após o senador afirmar que seus dados fiscais foram acessados de modo ilegal antes do início formal da investigação sobre do caso que ficou conhecido como da "rachadinha" em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O servidor comandou o Escor07 por mais de uma década, e era apontado como um nome influente no órgão, onde sobreviveu a diferentes governos. No Diário Oficial, a exoneração apareceu como "a pedido". No entanto, a imprensa divulgou na época que a saída aconteceu devido à pressão depois das críticas dos advogados de Flávio. Procurado pelo GLOBO, Botelho não quis se manifestar.

Jair Renan
O relatório da PF mostra também que a estrutura paralela foi utilizada para produzir provas a favor do filho 04 do ex-presidente, o pré-candidato a vereador de Balneário Camboriú (SC) Jair Renan. Ele era alvo de um inquérito pela suspeita de tráfico de influência. Essa investigação foi arquivada um ano depois.

Segundo a PF, as ações clandestinas "teriam sido determinadas pelo 01 conforme interlocução dos investigados". O relatório não identifica especificamente quem seria o tal '01'. A mensagem foi enviada por um integrante da "Abin paralela" após ele pedir o monitoramento de "carros em nome do filho Renan".

"Veja quais carros estão em nome do filho Renan do PR (presidente). Veja da mãe dele tb. Msg do 01", diz a mensagem interceptada.

A defesa de Jair Renan afirmou que não irá se pronunciar, porque não teve acesso ao conteúdo da investigação.

"Os agentes também realizaram pesquisas envolvendo o inquérito policial instaurado contra Renan Bolsonaro, possivelmente a pedido do então do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro", escreveu a Procuradoria-Geral da República (PGR) em relação ao diálogo captado pela PF.

Em março de 2021, a PF abriu um inquérito para investigar se o filho 04 do então presidente estava atuando para marcar reuniões e abrir portas no governo federal para empresas privadas. O caso começou a ser apurado na Procuradoria da República do Distrito Federal (PR-DF), após representação de parlamentares da oposição. Depois, a Procuradoria remeteu o caso para a PF entrar na apuração.

Além de atuar para beneficiar Jair Renan, a PF já havia identificado antes que uma ação da Abin atrapalhara as investigações envolvendo o filho 04. Agora, os policiais encontraram elementos que indicam como motivação uma tentativa de livrar Jair Renan das suspeitas que recaíam sobre ele — e de incriminar o ex-parceiro comercial de dele.

À época, o filho de Bolsonaro abriu um escritório no estádio Mané Garrincha, em Brasília, e passou a atuar em parceria com o seu ex-personal trainer, Allan Lucena, para angariar patrocinadores dispostos a investir no novo negócio do filho do presidente.

Segundo a PF, a Abin passou a seguir os passos do ex-personal de Jair Renan. Uma dessas ações de espionagem foi flagrada pela Polícia Militar do Distrito Federal, que abordou um integrante da Abin dentro do estacionamento de Lucena.

Ao prestar esclarecimentos na PF, o agente informou que recebeu a missão de um auxiliar de Alexxandre Ramagem, então diretor da Abin, de levantar informações sobre um carro elétrico, avaliado em R$ 90 mil, que teria sido doado ao filho do ex-presidente e ao seu personal trainer. O veículo foi dado por um empresário do Espírito Santo que estava interessado em ter acesso ao governo.

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