O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) vai começar a julgar nesta segunda-feira, 1º, o senador Sérgio Moro (União-PR), acusado de abuso de poder econômico. O processo, que pode render a cassação do mandato e ainda deixar o ex-juiz da Lava Jato inelegível por oito anos, é encabeçado pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e pela Federação Brasil da Esperança, composta por PCdoB, PV e PT - sigla do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O julgamento terá o efeito de impactar todo o cenário político nacional, dadas as repercussões possíveis de um resultado ou outro, e por conta da relevância de Moro no contexto nacional nos últimos anos.
O teor das ações que serão julgadas giram em torno de gastos pré-eleitorais de Sergio Moro entre 2021 e 2022, período em que ele se apresentava como pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos.
A candidatura ao Palácio do Planalto não prosperou e, em março de 2022, Moro migrou para o União Brasil e tentou concorrer a deputado federal por São Paulo. A troca de domicílio eleitoral, de Curitiba para a capital paulista, foi barrada pela Justiça Eleitoral e ele acabou se lançando candidato a senador pelo Paraná, sendo eleito com mais de 1,9 milhão de votos.
As ações apontam que os gastos e a estrutura da pré-campanha à
presidência foram "desproporcionais" e acabaram rendendo ao ex-juiz uma
vantagem decisiva sobre qualquer outro candidato ao Senado no Paraná.
Além disso, a soma dos gastos das pré-campanhas com a despesa que teve
com candidatura a senador ultrapassariam o teto estipulado.
Em dezembro do ano passado, o Ministério Público Eleitoral (MPE) emitiu
um parecer defendendo que o senador perca o mandato e fique inelegível
até 2030. O TRE-PR é composto por sete magistrados. Caso quatro votem
pela condenação, a chapa de Moro será cassada pelo tribunal regional.
Se isso ocorrer, o senador não perderá o mandato de imediato.
Independentemente da decisão tomada no Paraná, o caso deverá seguir para
o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que dará a palavra final sobre a
punição imposta ao ex-juiz. Se a decisão do TSE for desfavorável a Moro,
serão convocadas eleições suplementares para eleger um novo senador
para representar o Paraná até 2030.
Presidente do TRE-PR diz que ‘sociedade pode esperar transparência’
Ao Estadão, o desembargador Sigurd Roberto Bengtsson, que foi empossado
na presidência do TRE-PR no início deste mês, disse que o julgamento de
Moro não terá a Operação Lava Jato como pano de fundo. De acordo com
Bengtsson, os votos dos magistrados serão transparentes e "não há
qualquer possibilidade de receio da sociedade" sobre uma eventual
politização do processo.
"Está tendo muita... não sei se é má-fé ou desconhecimento, de abordagem
da questão. O que quero deixar bem claro é que a sociedade pode esperar
transparência. Vai ser um processo transparente e feito como exige a
Constituição Federal. Não há qualquer possibilidade de receio da
sociedade, vai ser feito um julgamento conforme a tradição aqui do TRE",
afirmou Bengtsson.
Julgamento deve mostrar divisão sobre legado da Lava Jato
Na opinião do advogado eleitoral Guilherme Gonçalves, da Academia
Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), é improvável que o
julgamento no TRE-PR tenha uma votação unânime, seja pela cassação ou
pela absolvição do ex-juiz.
Segundo o especialista, o voto decisivo deve ser proferido pelo relator
da ação, o desembargador Luciano Carrasco Falavinha. "Se for para a
cassação, muito provavelmente o Moro perde", observa
Gonçalves, que atua na justiça eleitoral paranaense, observa que o
julgamento deve escancarar uma divisão que existe entre os juízes do
Estado sobre o legado da Lava Jato. De acordo com o advogado, a Corte é
formada por membros que apoiavam a força-tarefa e integrantes que tendem
a um revisionismo das ações. Apesar desse fator, o especialista aponta
que os votos devem ser embasados em critérios técnicos.
"Há muitos desembargadores mais conservadores e que tinham um apoio
muito contundente e efusivo à Lava Jato e que acham que uma eventual
cassação ao Moro pode ser uma humilhação que pode atingir o Paraná e a
tal ‘República de Curitiba’. Há outros que, pelo contrário, acham que o
que deslegitimou o Judiciário foi o fato que Moro entrou na política
depois de ter tido a credibilidade e a notoriedade que teve", explica o
especialista
Voto de juiz escolhido por Lula pode ser decisivo
De acordo com o especialista em Direito Eleitoral Alberto Rollo, um dos
principais pontos a se observar no julgamento é o desempenho do juiz
José Rodrigo Sade que, nas vésperas da apreciação do caso de Moro, foi
indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para compor o
TRE-PR. A entrada de Sade na Corte se deu por conta da aposentadoria do
juiz Thiago Paiva dos Santos, no final do ano passado.
Em 2017, quando era o juiz da 13º Vara de Curitiba, Moro condenou Lula a
nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de
dinheiro. As sentenças foram anuladas em 2021. De volta ao Palácio do
Planalto, o petista explicitou em diversos momentos que ainda possui
rusgas com o senador.
Em março do ano passado, quando a Polícia Federal (PF) descobriu um
plano do Primeiro Comando da Capital (PCC) para atacar Moro, Lula disse
que o caso seria uma "armação" do ex-juiz.
Para Rollo, há um receio de que o voto de Sade seja "encomendado", ou
seja, que o novo magistrado tenha sido escolhido pelo governo federal
devido a sua concepção sobre o abuso de poder econômico na pré-campanha.
"Isso não significa que o juiz não vai votar de acordo com o que ele
interpreta", disse o especialista.
"O receio é que talvez, em algum momento, um dos critérios tenha sido
perguntar: ‘como é que você vê o abuso do poder econômico na
pré-campanha eleitoral?’, explicou Rollo. "E aí, com essa resposta, mais
ou menos já se saiba como ele vai decidir o caso concreto do Moro",
completou.
Advogado eleitoral acredita que julgamento deve se estender
Há também uma expectativa para que o julgamento não termine nesta
segunda-feira. Segundo o advogado eleitoral da Abradep Paulo Ferraz, a
complexidade das acusações contra Moro deve motivar um pedido de vista
por parte dos magistrados.
"Eu acho que é um parecer que tem muita força, mas não é um julgamento
que vai terminar na primeira sessão. Pelo menos um pedido de vista terá,
e pode ser que seja do novo juiz. Isso porque ele vai compor a Corte em
um tempo muito exíguo para analisar um processo de mil páginas",
explica.
Segundo o regimento interno do TRE-PR, se um magistrado pedir a revisão
dos autos, a apreciação do caso será suspensa por dez dias, com a pauta
sendo inserida na sessão seguinte ao término do prazo. O pedido pode ser
prorrogado por mais dez dias.
Julgamento pode motivar mudança nas regras eleitorais
Para a advogada eleitoral Ana Cláudia Santano, o julgamento de Moro pode
se tornar uma oportunidade para o estabelecimento de critérios técnicos
sobre as pré-campanhas.
No Código Eleitoral brasileiro, não há descrições sobre valores que os
candidatos devem empregar e nem qual seria o início e o fim de uma
pré-campanha.
O precedente que deve ser usado para julgar Moro é, ironicamente, a
cassação da ex-senadora Selma Arruda (Podemos-MT), conhecida como "Moro
de saias", no final de 2019. Selma teve o seu mandato cassado por caixa
dois e abuso de poder econômico durante as eleições de 2018, ou seja, os
mesmos crimes que são imputados pelo PL a Moro.
Ana Cláudia defende que sejam criados critérios objetivos para orientar
os candidatos antes do início das campanhas eleitorais e afirma que a
análise atual utilizada pelo direito eleitoral é "falha". "O conceito de
pré-campanha não funciona aqui e não funciona nos países que ele
existe. É uma tentativa muito louvável da gente de tentar regular o
poder econômico das candidaturas e deixar elas um pouco mais
equilibradas. Mas o fato é que a gente está falhando", explicou.
Paulo Ferraz acredita que o julgamento deve motivar o Legislativo a
fazer uma reforma eleitoral para regular o tema, tendo em vista que uma
eventual condenação do ex-juiz da Lava Jato pode servir como um
precedente que leve a outras cassações de parlamentares.
"Vai dar uma chacoalhada no Congresso para que ele tenha que legislar
sobre pré-campanha, algo que nós advogados eleitoralistas brigamos há
muito tempo", observou o especialista