Famosos pagam preço alto pelo discurso anti-Bolsonaro

Ser ‘neutro’ ou ‘isentão’ não é opção para muitas personalidades midiáticas. Preferem declarar posição ideológica a fim de criticar quem desaprovam. Por isso, hoje, o universo artístico e o telejornalismo estão divididos entre bolsonaristas e antibolsonaristas.

Ninguém fica incólume após tomar partido. A Miss Brasil 2020, Julia Gama, concluiu ter sido desconvidada da cerimônia do Miss 2021, que acontece neste final de semana a bordo do navio MSC Preziosa, por seu pensamento político. A gaúcha foi impedida de passar a faixa e a coroa para a sucessora.

Vice no Miss Universo, Julia afirmou ter “divergência política” com a direção do concurso brasileiro. “Eles são declaradamente bolsonaristas e eu, não”, afirmou à ‘Folha de S. Paulo’. Suas contestações de aspectos supostamente “machistas” do evento também teriam desagradado a organização do Miss nacional. Oficialmente, os produtores dizem que a dispensa ocorreu por “quebra de regras contratuais”, sem entrar em detalhes.

É simbólica a politização de um concurso visto por inúmeras pessoas como retrocesso à valorização feminina por conta da suposta objetificação dos corpos das candidatas e a abordagem superficial da capacidade intelectual da mulher. Esse episódio espelha a radicalização e as rupturas vistas principalmente nas famílias e redes sociais. Versões à parte, o Miss Brasil, quem diria, foi atingido pelo racha social produzido por Bolsonaro.

O humorista André Marinho diz ser outra ‘vítima’ da ideologização no País. Ele pediu para sair do elenco do ‘Pânico’, da Jovem Pan, rádio que faz defesa enfática do presidente e seu governo. Sucumbiu à pressão interna – precisou lidar com a contrariedade de vários colegas de emissora – e aos ataques virtuais.

“Teria sido muito fácil para mim optar pela neutralidade”, disse em vídeo postado em redes sociais. “O programa em si ganhou contorno muito politizado, recebendo principalmente convidados simpáticos ao governo. Eu me vi na posição de estabelecer o contraponto, tentar trazer algum equilíbrio para o debate. Não fiz por mim, fiz para honrar a vocação do comunicador.”

O estopim da pressão contra André Marinho foi o bate-boca com Bolsonaro durante entrevista no dia 27 de outubro. O comediante abordou o esquema de rachadinhas em gabinetes de parlamentares. “Presidente, rachador tem que ir pra cadeira ou não?”, questionou.

“Marinho, você sabe que sou presidente da República e respondo sobre meus atos. Então não vou aceitar provocação tua. Você, recolha-se ao seu jornalismo. Não vou aceitar”, rebateu Bolsonaro. “Assim o PT vai voltar”, debochou André. “O seu pai é o maior interessado na cadeira do Flávio Bolsonaro, o teu pai quer a cadeira do Flávio Bolsonaro”, acusou o presidente.

Ele fez referência ao empresário Paulo Marinho, seu ex-aliado, suplente do filho Zero Um no Senado. Os Marinhos romperam com o clã Bolsonaro no início do mandato. Durante a campanha de 2018, André assessorou o então candidato do PSL e serviu de tradutor em conversas de Bolsonaro com o americano Donald Trump.

Publicidade

Ainda na Jovem Pan, uma voz quase solitária é a de Amanda Klein. A jornalista se opõe à maioria de âncoras e comentaristas pró-presidente. Já teve vários conflitos ao microfone. Foi duramente atacada pelo colega Rodrigo Constantino. Dias atrás, outro simpatizante de Bolsonaro, José Carlos Bernardini, a chamou de “lulista” e associou sua roupa vermelha ao PT e ao comunismo chinês.

Na RedeTV!, Klein também virou alvo do bolsonarismo. Ela participa do ‘Opinião no Ar’, programa comandado por Luís Ernesto Lacombe, jornalista defensor da direita e do presidente. A atração conta ainda com Silvio Navarro, também crítico da esquerda e dos opositores do atual chefe do Poder Executivo.

Além de ser contestada a todo momento diante das câmeras, Amanda enfrenta hostilidade nas redes sociais do canal. É xingada e ironizada não estritamente pela atuação jornalística, mas até por características físicas e o figurino usado na TV. Em comentários recentes no Instagram do ‘Opinião no Ar’, ela foi chamada de “comunistinha”, “sem noção”, “amanTa”, “débil”, “satanás de esquerda”, “insana”, “cobra” e “lixo de jornalista”.

Quem também tem sido atingido pela fúria bolsonarista na internet é Wagner Moura. O ator e cineasta fez inúmeras críticas a Jair Bolsonaro no ‘Roda Viva’, da TV Cultura, ao comentar as dificuldades burocráticas para o lançamento de ‘Marighella’, seu filme sobre o guerrilheiro marxista Carlos Marighella, participante da luta armada contra a ditadura militar na década de 1960.

Moura diz que o longa sofreu boicote da Agência Nacional do Cinema (Ancine). “É uma questão absolutamente clara de censura”, declarou. Na época das filmagens, a equipe recebeu ameaças de invasão do set, mas nada aconteceu. Assim que a produção entrou em cartaz houve uma ação orquestrada para dar nota baixa a ‘Marighella’ no IMDB, a respeitada plataforma americana de dados sobre cinema e avaliação de filmes.

Apesar do preço cobrado pelo posicionamento público, essas figuras da mídia não sinalizam a intenção de recuar. Pretendem seguir na corda bamba entre apoiadores e detratores de seu discurso.

 

Post a Comment