A algumas semanas para o Rio de Janeiro entrar na reta final da campanha de vacinação contra a Covid, o prefeito Eduardo Paes (PSD) foi obrigado a deixar de lado o relacionamento pacífico que vinha mantendo com o governo federal para cobrar duramente o Ministério de Saúde pela falta de vacinas, o que vem prejudicando a cidade nos últimos dias. O atraso no recebimento dos imunizantes obrigou Paes a suspender temporariamente a aplicação da primeira dose há dez dias. Somente depois dos protestos do prefeito é que a prefeitura recebeu 81 mil doses e retomou a vacinação na última quarta-feira, 28. “Tem um momento que não dá. Eram 16 milhões de doses estocadas que demoraram a ser distribuídas. Não distribuir vacinas estocadas é desumano do ponto de vista de empatia com a vida das pessoas”, disse o prefeito. Em entrevista à ISTOÉ, Paes criticou ainda a defesa da mudança do sistema de votação feita pelo presidente, entendendo que ele presta um “desserviço enorme” ao defender o voto impresso. Considerou ainda “inaceitável” a ameaça feita pelo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, de que o Brasil só teria eleições se houvesse votação em papel. Apesar das críticas, Paes diz ser contra o afastamento do mandatário. “Sou contra a banalização do impeachment”, disse.
Por que a falta de vacinas obrigou o Rio de Janeiro a interromper temporariamente a vacinação?
A prefeitura não produz e nem compra vacinas. Desde o início, defendi a
tese de que a gente deveria integrar o Programa Nacional de Imunização e
busquei adjetivar o mínimo possível as disputas políticas em torno do
assunto. O que nos causa indignação é saber que o Ministério da Saúde
tinha 16 milhões de doses estocadas aguardando para serem distribuídas e
tudo por falta de uma melhor logística. Não distribuir vacinas
estocadas é desumano do ponto de vista de empatia com a vida das
pessoas. Do ponto de vista econômico, fazer isso também é uma atitude
pouco inteligente. Isso não dá. Em uma pandemia como esta, o mínimo que a
gente espera é o senso de urgência. A cada dia que a gente deixa de
vacinar alguém, vidas são colocadas em risco. Durante uma semana eu
vinha cobrando o envio das doses para o Rio. Eu tenho uma boa relação
com o ministro Marcelo Queiroga, mas há um momento que não dá para
aceitar a demora. Mas, com muita pressão, fizeram a entrega para a
cidade.
A demora no início da compra de vacinas influenciou?
O problema hoje não é falta de vacina. Mas há um fato concreto: o
governo federal titubeou na hora de decidir pela compra dos imunizantes.
Os fatos do passado recente já mostravam isso e a CPI vem confirmando
essa tese. Houve a negativa em relação às vacinas da Pfizer, por
exemplo. Se não fosse a atitude do governador João Doria também não
teríamos a tido a Coronavac e estaríamos amarrados a uma só vacina. A
partir de um determinado momento, a coisa começou a andar melhor. O que
causa indignação é isso: ter vacina e ela não ser distribuída. Ou ser
distribuída apenas uma vez por semana. Isso tem que mudar. Nada é mais
importante hoje do que as vacinas, inclusive do ponto de vista
econômico. Se o governo não estiver muito sensibilizado pelo aspecto
humanitário, que se sensibilize em termos da recuperação da economia.
Falta sensibilidade ao governo?
Já está comprovado que, ao atingirmos um grau de cobertura vacinal com
as duas doses, teremos a imunidade de rebanho. E aí a gente vai ter como
abrir ainda mais a economia.
Quando a vacinação deverá ser retomada?
Já retomamos na quarta-feira (28), mas para a gente não perder o timing
do calendário, vamos ter que imunizar o mesmo número de pessoas em menos
dias. É que o mês de agosto é o mais decisivo na vacinação, porque a
partir da semana que vem restarão duas semanas e meia para o Rio
praticamente entrar na reta final da campanha de imunização. É muito
importante que as doses cheguem com fluidez.
Ter perdido seu pai para a Covid lhe provocou revolta?
Prefiro guardar esses sentimentos para mim. Como prefeito, busco não
misturar as coisas. Apesar da idade avançada, meu pai estava muito bem
de saúde e pronto para viver mais uns 15 anos. Quando isso acontece,
afeta nosso processo de tomada de decisão. Faltavam 30 dias para meu pai
tomar a segunda dose. Salvaria a vida dele? Acho que sim. A ciência
mostra que sim. Estou falando da vida da pessoa que me botou no mundo. E
quando falamos de quase 600 mil vidas perdidas, estamos falando de
muitas outras pessoas que colocaram outras pessoas no mundo também. De
amigos, de parentes. Vivi uma experiência muito ruim, muito recente,
muito triste. Não quero que ninguém passe por isso.
O que tem achado das investigações da CPI?
O que mais marca a CPI até aqui é a comprovação documental na demora do
processo decisório de aquisição de vacinas, o que já era algo
relativamente claro para todos. As declarações das mais altas
autoridades da República já apontavam para esse caminho. Mas o conjunto
probatório erguido pela CPI é forte. Aquilo que a gente já sabia, está
sendo provado agora. Isso, para mim, é o mais grave. A gente precisa
repensar o País. Não é admissível que as instituições brasileiras
permitam que algo assim aconteça.
Por que o Brasil chegou à tragédia de 550 mil mortes?
Vou destacar dois fatores. Um tem a ver com coesão social. É a maneira
como as autoridades brasileiras não conseguiram chegar a uma mensagem
única para a população. Isso só aumenta a falta de coordenação. Essa
incapacidade de criar a coesão para medidas restritivas mais duras, por
exemplo, foi muito ruim. Talvez tivesse sido interessante se o Brasil
tivesse feito um lockdown nacional no começo. Seria duro, mas nos
permitiria ter mais tranquilidade agora. Outro fator é sobre o aspecto
terapêutico. Foram muitos erros. Houve um momento de desconhecimento
sobre a terapia a ser adotada. Mas a gente mostrou incapacidade de ter
uma pronta resposta. No Rio, não precisaria ter hospital de campanha,
como foi feito pelo ex-prefeito Marcelo Crivella, de forma errônea.
Poderíamos ter usado apenas os hospitais que já tínhamos. Para construir
um hospital e criar um factóide, leva tempo. E, durante esse intervalo,
muita gente morreu sem atendimento. Precisávamos ter tido um comando
político que pudesse ter mobilizado o País.
Esses problemas estão relacionados a quê?
Têm a ver com a própria característica do presidente, que não é uma
pessoa de diálogo fácil, Faltou unir governadores e prefeitos. Isso
ficou muito claro em todos os momentos da pandemia.
Qual a avaliação que o senhor faz da aliança do presidente com o Centrão?
Pelo discurso que Bolsonaro sempre fez, essa é uma grande incoerência,
mas entendo o movimento que ele está fazendo. Acho que não está errado
em fazer a aliança. O governo precisa de uma base parlamentar, precisa
dialogar com os políticos. Dialogar não significa necessariamente
praticar desvios de conduta. O presidente foi um personagem que
criminalizou muito a política ao longo de sua trajetória e agora teve
que se render a ela. Não vejo como crítica. Pelo contrário: é um passo
importante. Só diria que é tardio.
Como interpretou as declarações do governo de que só teremos eleições se for com o voto impresso?
Quero crer que o ministro Braga Neto tenha dito a verdade quando
desmentiu a notícia. Seria um caso de muita gravidade se isso tivesse
acontecido. Seria inaceitável. Em relação a Bolsonaro, ele presta um
desserviço enorme ao Brasil. Bolsonaro tem que se tocar que ele é a
maior liderança do País, eleito pelo voto direto, com o sistema que está
aí. Eu também disputei minhas eleições por esse sistema. Ganhei seis e
perdi duas. Fiquei triste, lambi feridas, mas nunca contestei a lisura
do processo, que é limpo. Bolsonaro tem que governar bem. Se fizer isso,
vai ganhar a eleição por voto eletrônico ou pelo impresso. Se governar
mal, pode botar voto impresso que o papel só vai registrar a derrota
nele. É inaceitável que se cogite não ter eleição. É o limite que tem
que unir todos os brasileiros. Essa linha não pode ser ultrapassada.
Tenho mil opiniões para dar sobre certas manipulações feitas durante o
período eleitoral. Mas eu perdi a eleição na urna. Perdi porque tinha
uma onda bolsonarista que elegeu um ex-juiz 171 e também o próprio
presidente. É a vida como ela é. Fiquei triste, mas perdi. Esse limite
não pode ser desrespeitado. Muito menos pelo presidente da República.
O senhor apoiaria o impeachment de Bolsonaro?
Sou contra a banalização do impeachment. Sempre fui contra o impeachment
de Dilma. Não achava que ela estava indo bem no governo, mas ela foi
eleita. Essa banalização do instrumento do impeachment é muito ruim. É
algo que a gente tem que tomar só no limite. Não me parece que haja,
hoje, clima ou razão para abrir um processo de impeachment. A gente está
muito perto das eleições. O Brasil precisa parar com essa mania de ter
instituições frágeis e achar que a cada momento de impopularidade de um
governante seja motivo para ficar fazendo impeachment. É ruim para a
democracia, para o País. Assim como fui contra o impeachment de Dilma,
sou contra o de Bolsonaro.
Como foi sua reunião com Lula?
Esse tema está tomando conta da agenda mais do que deveria. Já estive
com Lula, com Ciro Gomes, com Eduardo Leite, com Rodrigo Pacheco, entre
tantos outros. Tenho recebido vários políticos aqui no Rio e,
infelizmente, o encontro com Lula é o assunto que acaba sendo tratado.
Acha que há espaço para uma candidatura da terceira via em 2022?
Há espaço para muitas candidaturas. O candidato do meu partido é o
senador Rodrigo Pacheco. Esse é o caminho que vamos seguir. Um partido
grande, como o PSD, precisa ter candidatura própria. E, no segundo
turno, discutiremos as questões de alianças.
O que o leva a recuperar as obras do legado olímpico da Rio 2016?
Os equipamentos dos jogos olímpicos no Rio, em 2016, realizados quando
eu também era o prefeito, foram muito simples, diferentes dos que vimos
na China ou em Munique, por exemplo. No Rio, não tivemos obras que
viraram elefantes brancos depois. Tivemos um parque olímpico com
instalações simples. O que faltou por aqui foi completar o legado em
relação ao parque da Barra. É o que estamos fazendo agora. O problema
por aqui é que a cidade foi largada por um prefeito incompetente, que
foi o Marcelo Crivella. Esse abandono incluiu as obras da olimpíada.
Ruas esburacadas, cidade mal cuidada, escolas sem funcionar, assim como
os legados olímpicos. O Crivella representou essa cidade largada. E nós,
aos poucos, estamos tentando recuperá-la.
Postar um comentário